terça-feira, 8 de março de 2011

Gaia - Capítulo 5

Capítulo 5

-- Ai! - Gritou Anette caída no chão, enquanto levava as mãos a um corte na perna esquerda.
O sangue escorria pela pele branca dela, manchando seu sapato com um tom carmesim que parecia se enegrecer a cada segundo passado. Bertha e Mímin correram em socorro dela, arrodeando a mesa que ficava no meio da cozinha. Mímin, como era de se esperar, foi tomada por seu medo e parou a mais de um metro de Anette. Ela levou as mãos até o peito e começou a apertá-las uma contra a outra e contra o peito, ansiosa com a situação. Já Bertha praticamente se jogou no chão, sentando o traseiro com muita força no piso, postando-se ao lado de Anette, enquanto dizia calmamente para a moça, que chorava por causa da dor:
- Vamos, me deixe ver isso. Venha cá, tire as mãos de cima do machucado, senão como vou poder tratar dele?
A voz de Bertha era serena, diferente de seus gestos, que eram rápidos e vigorosos, suas mãos tremiam, revelando que apesar de tentar passar tranquilidade para Anette, ela mesma estava nervosa.

Alguns minutos antes, Draco havia arremessado Anette contra uma cadeira na cozinha. A jovem bateu a canela com toda a força do arremesso na quina de um dos assentos de madeira, que cortou sua pele, e a região em volta agora começava a ficar roxa.

- Mímin - disse Bertha sem se virar para a outra - Vá no armário de primeiros socorros e me traga algumas ataduras, gazes e o pote de unguento verde. Precisamos parar esse sangramento até que o mestre Draco volte, acho que a perna dela quebrou. O mestre precisa levá-la para um curandeiro na cidade.
- C-certo.
Mímin se virou saiu andando rápido em direção a uma pequena sala que ficava ao lado da cozinha, desaparecendo por trás da porta de um armário de madeira que abrira lá dentro.

- Vamos lá, preciso ver o que tem aí debaixo das suas mãozinhas - começou Bertha de novo, carinhosamente, tentando fazer Anette tirar as mãos de cima do ferimento.
As lágrimas corriam pelo rosto de Anette. O rosto normalmente belo e alegre da moça agora estava vermelho e inchado, olheiras haviam se formado debaixo de seus olhos, e o cabelo castanho de sua franja estava colado em algumas partes nas bochechas molhadas de lágrimas. Se o resto do cabelo não estivesse preso na parte de trás da cabeça, provavelmente estaria um caos graças à confusão que acontecera.

Ternamente, Bertha pegou nas mãos de Anette e começou a afastá-las do ferimento. Anette, por sua vez, resistiu no começo, com medo do que havia ali, mas depois que Bertha aumentou a intensidade da força, Anette cedeu e apenas fechou os olhos, deixando que Bertha cuidasse de tudo.

Uma fenda havia se formado na pele alguns centímetros abaixo do joelho, um corte não muito profundo, mas que sangrava consideravelmente. Bertha achou estranho, não era comum se sangrar tanto naquele local. Mas o que mais a preocupava era que toda a região em torno do corte havia se tornado roxa e inchada, tudo isso em um tempo curto demais, ela temia, tinha quase certeza, que o osso havia sido quebrado.

- Senhora Anette, eu vou tocar em alguns lugares da sua perna, e quero que você me diga se dói, ok?
- Tudo bem - respondeu Anette em meio aos seus soluços e lágrimas que escorriam do canto de seus olhos, passando pelo cabelo colado ao rosto e pingando no vestido vermelho que usava.
Bertha apertou o indicador contra uma região próxima ao corte, Anette respondeu com um sibilo de dor, que aumentou ainda mais a desconfiança de Bertha sobre a perna estar quebrada. Ela ainda fez isso mais algumas vezes, e sempre Anette demonstrava dor de alguma forma, às vezes sibilando, outras com um “Ai!” ou ainda tentando recolher a perna numa reação de reflexo à dor.
- Bertha, o que você está fazendo? Isso dói! - respondeu Anette a uma das cutucadas da empregada, ainda chorando.
- Ah, me desculpe senhora, eu estava tentando só confirmar uma coisa. Acho que a sua perna está quebrada...
- Quebrada? Droga... - Anette irrompeu em soluços enquanto fungava e começava a chorar ainda mais forte.
Nesse momento Mímin voltou para a cozinha, ela trazia um pequeno pote de madeira, alguns rolos de atadura e um pote cheio de gazes.
- Bertha, aqui está. Trouxe as ataduras e as gazes que você pediu...e também esse pote com aquele remédio verde que você costuma passar em ferimentos...
- Obrigada Mímin. Me dê uma gaze e me passe o remédio, vou passar no ferimento para que não infeccione.
- Hum - fez Mímin com a boca enquanto balançava a cabeça de forma afirmativa.
Mímin primeiro entregou o pote de madeira a Bertha, que o abriu imediatamente. Um cheiro mentolado invadiu o ar, causando um bem-estar a todos.
- Bertha, q-que remédio é esse? - perguntou Anette enquanto esticava o pescoço, tentando enxergar dentro do pote.
- É um unguento que eu mesma preparei. Ele serve para se colocar em ferimentos, impedindo que infeccionem, serve para queimaduras, serve para muita coisa. Eu aprendi a prepará-lo com a esposa do mestre Alexander, a senhora Mina. Quando o mestre Draco era pequeno, ele costumava se machucar muito, e nem sempre a senhora Mina estava por perto para cuidar dele, já que muitas vezes ela precisava lutar na guerra ao lado do mestre Alexander. Então ela me ensinou a preparar esse unguento, para que eu cuidasse do mestre quando se machucasse.

Mímin entregou uma gaze, e sem nenhuma avareza, Bertha a enfiou no pote e esfregou no unguento esverdeado, trazendo para fora uma boa porção dele presa à gaze. Com cuidado ela colocou a gaze por cima do ferimento na perna de Anette, tentando causar a menor dor possível. Mesmo assim a jovem ainda fez uma careta, mas suportou sem chorar ou fazer qualquer barulho.
- Pronto - falou Bertha depois de ter deixado a gazer por cima do corte - Mímin, me dê um rolo de atadura. Preciso prender a gaze.
Mímin fez como ordenada e entregou. Bertha começou a desenrolá-lo em torno do ferimento, prendendo a gaze à perna. No final ela cortou o pano e amarrou a ponta, completando o curativo.
- Obrigada, Bertha - disse Anette parando de chorar e fungando um pouco.
Pela primeira vez desde que se machucara, Anette sorriu. Bertha sorriu de volta sem falar nada, e Mímin fez o mesmo, apesar de não ter feito quase nada.
As três estava nesse clima mais tranquilo quando escutaram um barulho. O som parecia arranhar o ar e tomava conta de tudo, até que um assobio começou a se destacar por trás do som. Rápido, ele aumentou de intensidade até sobrepujar completamente o som anterior.
“Bum!!”
Um estrondo e uma onda de choque fizeram Mímin cair no chão e Bertha se abaixar e proteger a cabeça com as mãos. Anette, sem saber o que fazer e sem entender o que estava acontecendo, olhou para Bertha e fez o mesmo. Quando se movimentou sua perna doeu, e um gosto amargo preencheu sua boca. Por mais que a dor na perna fosse forte, o medo a vencia e fazia com que ela se mantivesse abaixada e com as mãos na cabeça. Uma nuvem de poeira tomou conta da cozinha, e um vento frio começou a soprar como se alguém tivesse aberto uma janela, ligado um ventilador gigante e solto um saco se areia fina na frente dele. O assobio começou novamente, parecia que algo estava começando.

Licença Creative Commons
Gaia - Capítulo 5 de João Ricardo Atanasio Borba é licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-Uso não-comercial-Vedada a criação de obras derivadas 3.0 Unported.
Permissions beyond the scope of this license may be available at http://portaodeymir.blogspot.com.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comenta aí!