segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Gaia - Capítulo 3

Capítulo 3

O treinamento com Alexander havia seguido até o começo da noite, e deixado Draco esgotado. O suor escorria pelo seu rosto e encharcava suas roupas enquanto ele abria a porta do salão de treinamento e caminhava arrastando os pés pelo corredor. Logo depois, Alexander saiu. O suor também brotava de seu rosto, mas ele não demonstrava estar tão cansado quanto o filho. Ele seguiu pela direção oposta, indo para seu próprio quarto, que era fora dos limites para qualquer um. Por mais que Draco ficasse esgotado, o treinamento era benefíco. Ele ficava mais forte, resistente, e melhorava sua habilidade em combate. Mas é claro que um nobre não precisava ter apenas esses conhecimentos. Política e atividades intelectuais também faziam parte das obrigações de Draco, e era à noite que ele as estudava.

Draco seguiu para o quarto, retirou a roupa vagarosamente, sendo consumido pela preguiça, e então jogou uma a uma, todas as peças do vestuário em cima da cama, como qualquer preguiçoso faz. As botas ele chutou para um canto na parede, e a espada, agora inútil, já que a lâmina se partira, ele deixou pelo chão.
"Mais tarde eu me livro disso. Quando eu for para o escritório estudar, aproveito para passar na cozinha e deixar a espada quebrada com o caseiro, para que ele dê um fim nela."

Ele tomou um banho demorado, além de se limpar, também estava aproveitando para relaxar. Depois se dirigiu ao guarda-roupas e remexeu em algumas das roupas mais elegantes que alguém desarmado poderia usar - as roupas mais elegantes de pessoas armadas eram armaduras completas encantadas, que permitiam uma movimentação livre, e armas adornadas, feitas de materiais raros, e imbuídas em magia, letais até mesmo para os Bálmares. - Pegou um colete verde e o ergueu de frente para o rosto. Durante alguns momentos ficou pensando se aquela peça ficaria boa. Colocou o colete sobre os ombros e começou a pegar o resto do que pretendia vestir. Ele acabou colocando o colete verde escuro por cima de uma camisa azul-marinho, de manga até os cotovelos, uma calça folgada, de seda Assuriana - resistente à intempéries, mas suave ao toque - e um sapato comum, que mesmo assim ainda era muito elegante.

Draco desceu as escadas e foi até a sala de jantar. Lá as serviçais estavam colocando a comida sobre a mesa, enquanto Alexander já estava sentado na cabeceira, apenas esperando elas acabarem para se servir, e acompanhando tudo com o olhar. Draco procurou por Anette no recinto, mas não a encontrou. Isso o deixava intrigado.
— Pai - começou ele enquanto andava na direção de Alexander - Onde está Anette?
Ele parou próximo ao pai, ao lado da mesa, apoiando uma das mãos nela, enquanto coçava o rosto com a outra. Tinha colocado uma das pernas para trás, e agora apoiava todo seu peso na perna restante e na mesa.
— Ela não vai jantar conosco. Disse que estava se sentindo mal. - respondeu Alexander.
— Se sentindo mal... Sei... Acho que ela deve estar se sentindo mal porque o pai e o irmão foram para a guerra. Ela odeia a guerra... Acho que só agora ela deve ter realmente percebido o que isso muda na vida dela. Hoje e nos próximos dias ela vai estar aqui conosco, mas daqui a um tempo vai ter que voltar para casa, e vai ficar sozinha. A mãe dela é uma bruxa, no pior dos sentidos, como todo mundo sabe. Ela maltrata a todos que pode, e no final posa de boa moça para o pai de Anette, e desse jeito ele não acredita em nada de mal que os outros dizem dela... Pobre homem, enfeitiçado por aquela mulher todos esses anos. Você devia fazer alguma coisa, já que é amigo dele.
— Fazer alguma coisa? Não é tão fácil assim... Por mais que ele seja meu amigo, ele tem aquela mulher na mais alta estima. Ele esqueceria até dos próprios filhos por ela.
— Então acho que não tem jeito... Anette ainda vai sofrer muito nas mãos da mãe, ainda mais agora, que com o pai longe, a velha se torna a senhora da casa.
— É verdade... Ei! - Alexander fez uma careta e cerrou os olhos, como se tivesse percebido algo desagradável - Não chame ela de velha, ela tem a minha idade. Se você chama ela de velha, está me chamando de velho também!
— Mas é isso que você é!
Alexander deu um bote e tentou agarrar o colete de Draco, mas o filho se esquivara com um salto para trás, ficando longe do alcance do pai, que ainda estava sentado na cadeira.
— Você escapou dessa vez, seu safado, mas da próxima não vou ser tão lento.
— Ahaha, até parece. Acho que é a velhice te alcançando, a partir de agora só vai piorar.
Draco andou até o lado oposto da mesa, se sentando na outra cabeceira. As lutas e brincadeiras desse tipo eram comuns entre ele e Alexander. O jantar seguiu normalmente, sem nenhum imprevisto. Draco se fartou, mas comeu muito rápido, e acabou de comer antes do pai. Ele se limpou com um guardanapo que estava em cima da mesa, arrastou a cadeira para trás, e logo depois se levantou.
— Pai, eu vou para o escritório estudar. Se precisar de mim é só chamar.
— Tudo bem. Acho que assim que acabar aqui, eu vou dormir. Estou cansado de hoje.
Draco caminhou para fora da sala. Sua barriga estava cheia, e atrapalhava um pouco enquanto andava, por isso seguiu devagar, indo para o escritório.

Durante as horas seguintes ao jantar, Draco se ocupou estudando desde magia, à política e história, passando por ciências biológicas e estrutura de Gaia - como era chamada a terra onde o país Assúria estava. Mas não era apenas uma porção de terra, Gaia era considerado um ser vivo, uma entidade primordial, que fornecia minérios especiais dos mais variados tipos, e que sempre os repunha com o passar do tempo. Explicando de modo simples, Gaia criava materiais mágicos, ferros especiais, carvões diferenciados, e várias outras coisas. Esse material ficava armazenado em sua terra, e os Assurianos os extraíam. Cada região, cada jazida, era especial. Determinado material sempre seria encontrado ali. E à medida que o tempo passava, tudo era reposto. Uma jazida nunca ficava esgotada para sempre. Nas jazidas de materias mais comuns, Gaia era capaz de repor seu "estoque" em apenas alguns dias, dependendo da quantidade de material que fora retirada antes. Mas em alguns casos, o material só aparecia em uma pequena quantidade na natureza, e quando retirado, demorava décadas, alguns até mais, para serem repostos por Gaia.

Draco já estava começando a se cansar de estudar quando alguém bateu à porta. Ele dirigiu o olhar da folha de um livro para a porta, e enquanto estava sentado numa cadeira atrás da escrivaninha, falou alto, para que quem quer que estivesse atrás da porta ouvisse:
— Pode entrar, não estou ocupado.
Alexander entrou a passos rápidos. Ele vestia sua armadura completa, uma armadura branca, que cobria totalmente seu tronco, braços e pernas. Na região pélvica uma espécie de saiote de tiras, feito do mesmo material do resto da armadura, mas flexível, garantia proteção da área, e mobilidade para as pernas. Aquela armadura não era apenas para proteção, era também seu símbolo. Vários traços negros estavam gravados nas partes da armadura, formando desenhos abstratos. As manoplas envolviam completamente seus antebraços e mãos, as ombreiras eram largas e pontudas, mas mesmo assim tudo podia ser mexido sem nenhuma dificuldade. Alexander também trazia consigo uma espada. Não era Durandall, Draco percebeu isso facilmente. Essa espada era média, a lâmina possuía três dedos de largura, que Draco deduziu pela largura da bainha negra que a envolvia, o cabo, negro como o resto, possuía uma guarda em forma de cruz, um pouco menor que a metade de um palmo, tiras de couro negro amaciavam a pegada, e um pomo pequeno, da mesma cor que o resto ficava na ponta da empunhadura.
— Há pouco chegou uma mensagem para mim. O rei mandou que me chamassem, ele precisa da minha presença para resolver um assunto urgente. Você deve cuidar de tudo por aqui enquanto estou fora, entendeu?
— Entendi, mas, que assunto é esse? Imagino que deva ser realmente importante e urgente para se convocar você a essa hora da noite, para a capital, que fica a centenas de quilômetros daqui.
— Aí é que está o maior problema... Normalmente quando o rei me envia mensagens, ele usa magia para um contato direto, onde posso ver sua imagem e conversar com ele, dessa vez ele enviou uma carta através de uma ave. Um método arcaico, que não se é usado hoje em dia. E ele sequer mencionou de que se tratava o assunto. Tentei contatá-lo através de magia, mas não consegui. Talvez seja apenas uma brincadeira de mal-gosto de alguém, talvez seja uma cilada, ou talvez a capital realmente esteja em perigo. Por isso quero que fique alerta, não sei o que pode acontecer hoje.
— Tudo bem, vou mandar que todos fiquem alertas, mas não vai adiantar muito, não temos guardas na casa, esqueceu? Você mesmo não gosta de ter muitos serviçais, e além do mais, por que alguém atacaria uma mansão no interior do reino? Antes de chegarem aqui, os inimigos teriam que passar pela armada de defesa dimensional e pelas magias de proteção que impedem a entrada nesse plano de quem não esteja autorizado. É burrice alguém enfrentar tudo isso só para atacar a casa...
— Tudo bem. Mesmo assim quero que você sempre esteja armado. Onde está sua espada?
— Deixei no quarto, lá em cima, no primeiro andar.
Alexander jogou a espada que carregava para Draco, que a pegou no ar. Os olhos dele examinaram mais de perto a extensão da bainha e a empunhadura. Instintivamente colocou a mão no cabo e desembainhou uma parte da lâmina, analisando de que era feita.
— Essa lâmina me parece bem comum. - começou Draco - de qualquer ângulo que eu olhe, é apenas aço dobrado, moldado, polido e afiado. Pelos detalhes que a empunhadura e a bainha possuem, achei que a lâmina fosse mais grandiosa.
— Não precisa se preocupar, essa lâmina pode parecer bem ordinária, mas aguenta muita coisa. Inclusive magia. Então se precisar lutar, não se segure com medo que a espada se quebre.
— De que ela é forjada? - peguntou Draco enquanto desembainhava o resto da espada e sentia seu peso.
Alexander respondeu enquanto se virava.
— Não sei.
Seu cabelo balançou no ar e ele saiu da sala andando rápido, fechando a porta atrás de si com uma batida forte.
"Espada estranha... Mas tudo bem, se o pai disse que ela ia aguentar, então não vou duvidar. Mas ainda acho que nada vai acontecer por aqui hoje."

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